Coyote vs ACME - Testing...
Declaração inicial do Dr. Harold Schoff, advogado do Sr. Wile Etherlbert, residente no Arizona e estados contíguos, vem por meio desta propor ação indenizatória para reparação de perdas e danos contra a Acme Company, fabricante e distribuidora no varejo de mercadorias variadas, fundada no Delaware e ativa em todos estados, distritos e territórios dos Estados Unidos da América, buscando compensação por danos materiais e estéticos, lucros cessantes e perturbações mentais, diretamente produzidos por atos e/ou negligência grosseira da companhia citada, nos termos do Artigo 15 do Código Civil Americano, capítulo 47, seção 2.072, subseção (a), que define a responsabilidade do fabricante por seus produtos.
RISCOS
Ian Frazier
11/26/20238 min ler
O sr. Coyote afirma que, em oitenta e cinco ocasiões distintas, adquiriu da Acme Company (doravante referida apenas como “Ré”), através do Departamento de Reembolso Postal da empresa, certos produtos que lhe causaram as lesões físicas mais diversas em decorrência de defeitos de fabricação, de vício ou da falta de advertências claras ao consumidor estampadas nas respectivas embalagens. Os recibos de venda em nome do sr. Coyote, apresentados como prova de compra, foram devidamente encaminhados ao Tribunal e rotulados como Prova A. As lesões supra sofridas pelo sr. Coyote resultaram na restrição temporária de sua capacidade de sustentar-se com seu ofício de predador. O sr. Coyote é autônomo e, portanto, não faz jus a Auxílio- Desemprego nem pedido por Invalidez.
O sr. Coyote afirma que, no dia 13 de dezembro, recebeu a entrega postal de um trenó a jato da Acme. A intenção do sr. Coyote era utilizar o referido trenó a jato para ajudá-lo na perseguição e captura da sua presa. Ao receber o trenó a jato, o sr. Coyote na mesma hora removeu o produto da embalagem de madeira adequada e, avistando sua presa ao horizonte, ativou a ignição. Quando pôs suas mãos no local indicado e cuidou de segurar firme o veículo, este acelerou com uma força tamanha e tão repentina que esticou os membros anteriores do sr. Coyote a uma extensão de quinze metros. Em seguida, o restante do corpo do sr. Coyote foi puxado para a frente com um empurrão violento, o que submeteu suas costas e seu pescoço a um esforço extremo de tração, resultando no seu inesperado deslocamento para bordo do referido veículo. Desaparecendo no horizonte tão depressa que só deixou para trás uma diminuta nuvem de fumaça, graças ao trenó a jato o sr. Coyote logo emparelhou com a sua presa. Nesse exato momento, contudo, o animal perseguido executou uma curva brusca e inesperada para a direita. O sr. Coyote fez o possível para acompanhar a manobra mas não conseguiu, culpa do projeto inadequado do sistema de direção do trenó a jato — para não falar de seu dispositivo de frenagem, defeituoso ou mesmo inexistente. Pouco depois, o avanço contínuo e incontrolável do trenó a jato levaria tanto o veículo quanto o sr. Coyote a uma colisão frontal na borda de um precipício.
O primeiro parágrafo do Laudo Médico (Prova B) preparado pelo Dr. Ernest Grosscup, devidamente credenciado como perito médico judicial, descreve as múltiplas fraturas, lacerações e lesões corporais sofridas pelo sr. Coyote em decorrência da colisão acima referida. O tratamento demandou a aplicação de uma bandagem completa de atadura em toda volta do crânio (com a exceção das orelhas), a adoção de um suporte ortopédico especial para o pescoço e o uso de aparelhos de gesso completos ou parciais em todas as quatro patas.
Com os movimentos tolhidos por todo esse aparato terapêutico, o sr. Coyote ainda assim se via obrigado a prover seu sustento e, com tal finalidade, adquiriu da Ré, como forma de auxílio à sua locomoção, um par de patins a jato Acme. Todavia, ao tentar empregar o referido produto, envolveu-se num acidente notavelmente similar ao ocorrido com o trenó. Aqui, a Ré reincidiu na venda direta pelo reembolso postal, sem dar-se ao cuidado de qualquer advertência ao consumidor, de um produto em que usa potentes motores a jato (dois, no caso em pauta) na propulsão de veículos inadequados para tal, marcados pela insuficiência ou mesmo a ausência completa dos devidos dispositivos de segurança para o passageiro. Prejudicado pelo peso de seus aparelhos de gesso, o sr. Coyote perdeu o controle dos patins a jato logo depois de prendê-los aos pés, colidindo tão violentamente com um cartaz de beira de estrada que nele produziu um recorte na forma de sua silhueta completa.
O sr. Coyote afirma ainda que, em numerosas ocasiões, demasiadas para detalhar no presente requerimento, sofreu os mais variados infortúnios com explosivos adquiridos à Ré: o Buscapé “Gigantinho” Acme, a Bomba Aérea Auto-Guiada Acme, etc. (para uma relação completa, ver o Catálogo Acme de Explosivos oferecidos pelo Reembolso Postal e depoimentos queixosos sobre esse aspecto da questão, anexados ao Processo como Prova C.) De fato, é possível afirmar com toda a segurança, que nenhum dos explosivos adquiridos da Ré pelo sr. Coyote jamais exibiu o desempenho ao qual se esperava. Para citar apenas um exemplo: à custa de muito tempo e intenso esforço pessoal, o sr. Coyote construiu, ao longo da orla externa elevada, uma calha inclinada de madeira que começava no alto da referida elevação e ia descendo em espiral, descrevendo voltas em seu redor, até poucos metros acima de um X preto pintado no chão do deserto. A calha inclinada foi construída de tal maneira que um explosivo esférico do tipo vendido pela Ré pudesse descer rolando rápido e facilmente pela calha até o ponto de detonação, indicado pelo X. O sr. Coyote cobriu o X com uma generosa pilha de alimento para aves, e então, carregando a Bomba Acme Esférica (número 78-832 do Catálogo), subiu até o alto da supracitada elevação. A presa do sr. Coyote, ao ver a pilha de alimento, aproximou-se, ao que o sr. Coyote acendeu o pavio do engenho explosivo.
Numa fração de segundo, porém, o pavio queimou até o fim, provocando a detonação da bomba. Além de anular todo o meticuloso esforço construtivo do sr. Coyote, a detonação prematura do artefato da Ré resultou nos seguintes danos estéticos ao sr. Coyote:
Chamuscamento grave dos pêlos da cabeça, do pescoço e do focinho;
Escurecimento facial pela fuligem;
Fratura da orelha esquerda na base, causando o tombamento do dito apêndice, logo em seguida à detonação, com um rangido claramente audível;
Combustão total ou parcial dos bigodes, produzindo embaraçamento, desmanche no ar e desintegração em cinzas;
Arregalamento radical dos olhos, devido ao calcinamento das pálpebras e sobrancelhas.
E, tratemos agora, dos calçados a mola Acme. Os vestígios de um par do referido produto adquirido pelo sr. Coyote no dia 25 de novembro constituem a Prova D encaminhada pelo Autor da presente ação a esta Corte. Alguns fragmentos foram encaminhados para a devida análise ao Laboratório de Metalurgia da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, onde até hoje, todavia, não foi encontrada qualquer explicação para o súbito e radical mau funcionamento do produto. No anúncio da Ré, os referidos calçados a mola são de extrema simplicidade: duas sandálias de madeira e metal, cada uma delas presa a uma mola de aço forjado de alto poder tensiométrico, mantida em posição de grande compressão por um mecanismo cujo desarme pode ser comandado por um gatilho de cordão. O sr. Coyote julgava que tal aparato teria como capacitá-lo a capturar sua presa em curtíssimo tempo de perseguição, num momento inicial da caça em que os reflexos rápidos são fatores decisivos.
Afim de aumentar ainda mais a força propulsora dos referidos calçados, o sr. Coyote prendeu-os pela sola à face lateral de um volumoso rochedo. Em posição adjacente a este rochedo, ficava um caminho que a presa do sr. Coyote costumava percorrer regularmente. O sr. Coyote calçou suas patas traseiras nas sandálias de madeira e metal e agachou-se em preparação, segurando com firmeza o cordão de disparo em sua pata dianteira direita. Dali a pouco tempo, a presa do sr. Coyote de fato apareceu no caminho, rumando em sua direção. Sem desconfiar de nada, deteve-se muito perto do sr. Coyote, claramente ao alcance da extensão total das molas. O sr. Coyote avaliou a distância com todo o cuidado e puxou o cordão.
A essa altura, o produto da Ré deveria ter impelido o sr. Coyote para diante e para longe do rochedo. Ao invés disso, contudo, por razões desconhecidas, os calçados a mola Acme empurraram o rochedo para longe do sr. Coyote. Enquanto a presa visada assistia incólume, o sr. Coyote ficou imóvel por alguns instantes, suspenso em pleno ar. Em seguida, foi puxado com toda a força pelo retrocesso das molas, o que provocou uma violenta colisão de seus pés com o rochedo em que todo o peso da cabeça e de seus quartos anteriores recaiu sobre suas extremidades posteriores.
A força desse impacto, por sua vez, determinou uma nova extensão das molas, em virtude da qual o sr. Coyote viu-se impelido, dessa vez verticalmente para o alto e que foi acompanhado de um segundo retrocesso e uma segunda colisão. Nesse ínterim, o rochedo supracitado, de forma aproximadamente ovóide, começara a rolar aos solavancos encosta abaixo com uma velocidade crescente, aumentada pelos sucessivos vaivéns da mola. A cada retrocesso, o sr. Coyote se chocava com o rochedo, ou o rochedo se chocava com o sr. Coyote, ou os dois se chocavam com o solo. Uma vez que o declive era bastante longo, tal processo se estendeu por um tempo considerável.
A seqüência dessas colisões resultou numa série de lesões físicas de ordem sistêmica ao sr. Coyote, a saber: achatamento dos ossos cranianos, destroncamento lateral da língua, redução do comprimento das pernas e do torso e compressão geral das vértebras, da base da cauda até a cabeça. A ocorrência desses choques repetidos ao longo do eixo vertical produziu uma série de dobramentos horizontais regulares nos tecidos corporais do sr. Coyote — condição rara e extremamente dolorosa em virtude da qual o sr. Coyote passou a expandir-se e contrair-se alternadamente no comprimento quando andava, emitindo um desafinado som de acordeão a cada passo. A natureza altamente perturbadora e embaraçosa desse sintoma acabou por constituir-se, para o sr. Coyote, em importante empecilho para uma vida normal em sociedade.
Como este Tribunal deve saber, a Ré detém o monopólio virtual da manufatura e da distribuição das mercadorias necessárias ao trabalho do sr. Coyote. Afirmamos que a Ré abusa de sua posição privilegiada no mercado, em detrimento do consumidor de seus produtos especializados como o pó-de-mico, as pipas de papel tamanho gigante, as armadilhas para tigre birmanês, a bigorna e os elásticos de borracha de cinqüenta metros de comprimento. Por mais que tivesse perdido a confiança nos produtos da Ré, não existia outra fonte de suprimento a domicílio à qual o sr. Coyote pudesse recorrer. Só podemos tentar imaginar o que nossos parceiros comerciais da Europa Ocidental e do Japão iriam pensar de situação semelhante, na qual se permite que uma empresa gigantesca vitime seu consumidor vezes sem conta, da maneira mais descuidada e malévola que se possa conceber.
O sr. Coyote vem requerer, com todo respeito, que este Tribunal considere essas implicações econômicas mais amplas e obrigue a Ré ao pagamento de danos punitivos no montante de dezessete milhões de dólares. Ademais, o sr. Coyote pede reparação de danos materiais (refeições perdidas, despesas médicas, dias indisponíveis para sua ocupação profissional) no valor de um milhão de dólares; e de danos morais (sofrimento mental, perda de prestígio) no valor de vinte milhões de dólares; além de honorários advocatícios no valor de setecentos e cinqüenta mil dólares, em pedido total de trinta e oito milhões, setecentos e cinqüenta mil dólares.
Concedendo ao sr. Coyote o montante requerido, este Tribunal irá penalizar a Ré, seus diretores, funcionários, acionistas, sucessores e procuradores, na única linguagem por eles compreendida, reafirmando o direito individual do predador à proteção eqüitativa da lei.
A fonte original do processo pode ser adquirida aqui.
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